sábado, 21 de fevereiro de 2015

Futebol pra inglês ver



A Premiere League (Liga Inglesa de Clubes de Futebol) cedeu os direitos de transmissão televisiva de seus jogos às empresas Sky Sports e BT por três temporadas a partir de 2016/2017 pela "bagatela" de Sete Bilhões de Euros. É um valor recorde que outros tinham sequer se aproximado. Ainda mais se tratando de um contrato de não exclusividade onde ambas as empresas poderão explorar os 168 jogos do futebol inglês com o melhor que cada canal tem para oferecer.
Serão 130 milhões de euros que receberá cada equipe na série A. É preciso repetir porque soa estranho. Cada um dos times da Premiere League receberá 130 milhões de euros por temporada. Nem mais nem menos que qualquer outro. É quase o mesmo valor que recebem Real Madrid e Barcelona por seus direitos de televisão na Espanha. E são os que mais recebem: 140 milhões. O Almería recebe 18.

É uma fórmula interessante, mas que encontra resistências em ligas bi polarizadas como na Espanha e no Brasil.

Na Espanha, o presidente do Espanyol, Joan Collet, ameaçou juntar-se a proposta de greve caso não se discuta uma divisão mais justa dos direitos de televisão que são praticados hoje naquele país, onde Real Madrid e Barcelona recebem juntos quase 40% do total que é distribuído. Os pouco mais de 60% restantes são rateados com os demais 42 times de primeira e segunda divisão. 

Joan Collet, presidente do Espanyol


“Nos da LFP (Liga de Futebol Profissional da Espanha) estamos dispostos a parar a Liga se não se aprova a lei que regule os direitos de televisão. Ou se discuta de uma vez imediatamente ou vamos parar de verdade." Ameaçou.




O decreto citado é referente ao que estava previsto para ser votado no final do ano passado e definiria o "cumpra-se" a partir da temporada 2016/2017 e tinha como objetivo reduzir as desigualdades existentes na Liga espanhola, a menos equitativa de todo o futebol europeu.
Os dois clubes mais relevantes do futebol espanhol, se apoiam no argumento da visibilidade da marca ou na internacionalização, assumindo para si a exclusividade dos méritos da imagem do futebol do país fora da península ibérica.

A semelhança com o futebol brasileiro é enorme, só que nas terras de Pelé, existem nuances muito particulares.

O caso brasileiro reúne uma cadeia de interesses e interessados que engessa e amarra qualquer tentativa de melhorar o futebol como segmento. A cultura do "cada um por si" acaba por afetar de maneira indireta também e até quem se considera especial, como os principais times do sul/sudeste. Isso explica o porquê de não termos uma liga determinante de fato e o único protótipo de uma que existiu, o Clube dos 13 (o próprio nome já indicava a falta de união), não suportou a primeira investida em sua representatividade. 
Mas como resistir a uma pirâmide de relações acorrentadas e promíscuas como é a publicidade televisiva brasileira? Alguns clubes resistiram à pressão de ceder os direitos à rede Globo porque achavam mais vantajosa (a matemática não mente) a oferta da Rede Record no leilão que se anunciou. A Record oferecia o dobro, apenas pela mídia de TV, do que paga hoje a Globo em todas as mídias (incluindo internet e celulares que eram negociados individualmente). A rede carioca na época limitou-se e emitir uma nota dizendo que sempre promoveu o futebol brasileiro e se considerava parte importante do sucesso do futebol nacional e não participaria de leilões ou barganhas. Em seguida, grandes anunciantes comunicavam que somente exporiam suas marcas na rede Globo e caso o futebol fosse para outra emissora, não manteriam contratos vigentes. Todos orientados por grandes empresas de publicidade que alegavam que suas marcas sofreriam desvalorização fora da TV da família Marinho. Uma relação tão bem arquitetada que lembrava em parte o modelo cooperativo de membros das sociedades secretas. O Corinthians ganhou um estádio, como bem afirmou seu presidente no momento Andrés Sanchéz e o Flamengo uma cota alta como a do time paulista. Viraram a mesa. Tocaram porto seguro e abandonaram o clube e os companheiros no meio da tempestade. Os outros, amedrontados, foram cedendo um por um.

Corinthians ou Flamengo recebem por ano quase 10 vezes mais que Chapecoense ou Ponte Preta. Possuem muito mais torcedores e isso por si só lhes proporcionam mais ingressos econômicos, (e poderiam proporcionar muitíssimo mais caso fossem mais bem geridos) através de merchandising de produtos licenciados, rendas em entradas de jogos e por ter uma marca sólida, melhores patrocínios de camisa. Isso sem contar outros acordos menores. Então, se possuem fontes naturais de ingressos econômicos, porque recebem quantias maiores nas cotas televisivas?
O argumento é o da exposição. Mais exposição = maior valor de cota. Seria bom o argumento caso jogassem ambos apenas entre si em amistosos regulares para agradarem suas torcidas.
O argumento dos dois gigantes espanhóis é parecido, porém, eles possuem a virtude de serem marcas fortes e de sempre manterem conquistas importantes o tempo todo. O que não acontece com os dois times brasileiros citados já que possuem mais fiascos que conquistas de maneira regular.

Mas, afinal, por que esse modelo inglês incomodou os espanhóis?
"Qualquer equipe da Premier terá condições de contratar qualquer jogador da liga espanhola e pagar-lhe o dobro do que pagamos. Isso já acontece e acontecerá muito mais vezes se não se resolve essa situação. ". Finaliza o presidente do Espanyol complementando a frase citada no início texto. É curioso ver um presidente de um importante time europeu de uma grande liga preocupadíssimo com um fenômeno que acontece em terras sul-americanas por pelo menos 50 anos.

O dirigente se esquece de que poderia ser pior: em 2006, o Real Madrid propôs uma criação de uma grande liga europeia que pudessem jogar os doze principais clubes do continente somados a mais oito que estariam sujeitos a acesso e descenso. Uma grande liga com uma dúzia de intocáveis, oito marginais e com pelo menos 30 divisões de acesso. As ligas nacionais de primeira desapareceriam e permaneceriam somente as copas. O clube madrileno já naquele ano sentia o incomodo (leia-se tédio) de enfrentar em sua liga doméstica, equipes muito fragilizadas tecnicamente no domingo e encarar um clube muito forte na quarta-feira na Champions League. A ideia foi freada pela UEFA que puxou a orelha dos madrilenos.

Eis aqui uma ideia elitizada do futebol a qual os ingleses jamais concordarão e sequer debateram em seu momento. Ao invés de apoiar o agigantamento de 2, 3 ou 6 equipes, a Premier Prefere apoiar a liga como um todo. Uma forma de incentivar e aprimorar o talento em todos os seguimentos desse esporte, de maneira uniforme e mantê-lo próximo; além de um poder de negociação muito maior numa cessão de direitos de televisão.

Essa filosofia levou à assinatura do mega contrato firmado no início do ano que foi precisamente impulsado pela venda de seu futebol para países como Tailândia, Singapura e a ilha de Hong Kong, principalmente, chegando a mais de 1,2 Bilhões de euros por temporada. O mercado estrangeiro é tão interessante que a Premier estuda realizar alguns jogos da liga em alguma cidade fora da Inglaterra.

Richars Scudamore, Executivo chefe da Premiere.


"Este novo acordo garante aos clubes poder seguir investindo e atuando de maneira sustentável. Também permite que a Premier League continue apoiando a pirâmide do futebol: desde a base até o profissional", assegurou Richars Scudamore, executivo chefe da liga inglesa.




Essa linha de pensamento define a unidade dos ingleses a respeito de seu futebol: um negócio muito mais forte, rentável e sustentável unido do que individualizado. Como nota especial, é preciso dizer que 1% de tudo será aplicado em outros esportes. Não esqueceram ninguém.

Por que o modelo inglês daria certo no Brasil? É difícil dizer o que daria certo quando se aplica um modelo estrangeiro, entretanto é fácil apontar o que pode dar errado. A “espanholização” do futebol no Brasil pode aumentar ainda mais o abismo entre equipes tradicionais do país. Algumas inclusive fecharam as portas. Outras abrem somente por três meses. Outras mantem apenas a base na esperança de lucrar com revelações.

A questão das cotas não é fazer com que os que recebam mais diminuam seus rendimentos, é fazer com que todos ganhem mais também e de forma igual negociando o futebol como um produto só e oferecendo para mais de uma empresa.
Ao invés de receber um bilhão de reais por ano num contrato de exclusividade, os times poderiam estar recebendo até cinco, vendendo o produto para várias empresas e que essas, assim como os clubes de futebol, montem equipes que cativem os telespectadores e que esses, decidam onde ver o futebol, criativo, atrativo e competitivo desde a transmissão.
Numa conta simples, cinco bilhões divididos por 40 clubes, daria 125 milhões de reais para cada um dos 40 times das nossas duas principais divisões. Dinheiro suficiente para, se bem fiscalizado e gerido, reviver nosso futebol e devolve-lo ao topo do mundo. Dessa maneira, de imediato, eliminaríamos mercados emergentes que levam jogadores promissores, como Ucrânia, Rússia, Turquia, China, Oriente médio, entre outros de menor expressão e aproveitaríamos os talentos dos países vizinhos que poderiam acrescentar muita qualidade no futebol brasileiro como fazem hoje na Europa. Isso sem contar no fato de que se venderia um produto adequado a pratica e desfrute desse esporte, tanto para jogadores quanto para torcedores que hoje sofrem com horários impróprios para o espetáculo, impostos pela empresa que delibera os horários para sua melhor conveniência. Uma inversão absurda de valores.

Mas não se pode cair em ilusões. As grandes equipes do país jamais se uniriam em pensamento coletivo porque sabem que poderiam sofrer com o relevo de equipes menos tradicionais, porem mais bem geridas e que passariam a contar com recursos similares. Existe também o fator político que misteriosamente faz com que as coisas caminhem de maneira diferente do que deveriam e que clubes fechem acordos menos vantajosos que outros oferecidos por questões que fogem ao entendimento do pensamento lógico.

A Inglaterra olhou pra dentro de casa e decidiu valorizar cada membro da família. O futebol brasileiro precisa de um debate urgente a respeito de seu futuro. Ou pensa como coletivo ou desaparece como mercado. Desse modo, quando as novas gerações preferirem olhar pro outro lado do atlântico, e nossos times não serem mais interessantes, nem a televisão que diz ter feito muito pelo futebol, se interessará em pagar valores importantes. Nesse momento já não adiantará se juntar, porque esse é o momento em que nem mesmo juntos, os clubes brasileiros valerão alguma coisa e terão sorte de expor suas camisas em algum horário das grades esportivas das cadeias que transmitem futebol internacional. Da maneira como a coisa caminha, pode se prever inclusive moleques torcendo por clubes nos EUA, já que os Yankies começam a pegar gosto pelo Soccer. E naquele país, dinheiro, qualidade de espetáculo e gestão esportiva é tão abundante quanto foi até pouco tempo, nossos talentos nesse esporte inglês.