A Armadilha Americana: Como os EUA Estão Plantando Seu Próprio Colapso
Hélio Torres
O escritor e analista estatístico Nassim Nicholas Taleb definiu dois conceitos cruciais para a compreensão da imprevisibilidade em sistemas complexos: o Antifrágil e o Cisne Negro. Sua obra oferece uma lente valiosa para analisar a dinâmica econômica e geopolítica contemporânea.
Antifrágil é aquilo que se fortalece com o caos, o estresse e a incerteza. Diferentemente do que é frágil (quebra) e do que é robusto (resiste), o sistema antifrágil cresce e melhora quando desafiado. O exemplo dos músculos humanos, que se desenvolvem com esforço e microdanos, ilustra bem essa propriedade.
Já o Cisne Negro é um evento raro, imprevisível e de enorme impacto, que, após sua ocorrência, é frequentemente racionalizado como algo previsível em retrospecto. Taleb critica a ilusão de previsibilidade em sistemas complexos e alerta que os grandes colapsos costumam emergir do inesperado -- e do excesso de confiança no que presumimos saber.
Desde os anos 1990, auge do neoliberalismo, os Estados Unidos vêm acelerando um processo silencioso e profundo de desindustrialização. Consequentemente, grandes corporações americanas, em busca de mão de obra mais barata e maior margem de lucro, transferiram suas operações para a Ásia -- especialmente para a China, ainda pouco industrializada naquela época. Em troca da instalação de fábricas, os países asiáticos exigiram o que reconheciam como mais valiosa do que o próprio capital: a transferência de tecnologia.
Essa estratégia teve consequências visíveis. Cidades como Detroit, que outrora foram o coração da indústria automobilística americana, entraram em colapso econômico, social e urbano. Fábricas abandonadas, desemprego crônico e êxodo populacional tornaram-se marcas de uma região que simboliza o que acontece quando uma nação abre mão de sua produção real.
Enquanto isso, cidades chinesas como Pequim, que nos anos 90 sequer possuíam metrô, passaram a contar com centenas de quilômetros de linhas subterrâneas em poucas décadas, fruto de investimentos maciços em infraestrutura e tecnologia, financiados, em grande parte, pela exportação industrial incentivada pelos EUA.
No curto prazo, os EUA obtiveram produtos mais baratos, inflação controlada e lucros extraordinários para suas empresas. Contudo, no longo prazo, perderam algo essencial: o músculo industrial que sustentava sua hegemonia econômica.
A troca de tecnologia, em muitos casos, foi indireta. Considere-se o caso da Tesla e da BYD. Enquanto a Tesla foi pioneira na mobilidade elétrica e levou parte de sua produção para a China, a BYD soube absorver conhecimento, replicar modelos e inovar em escala local. Atualmente, disputa o mercado global com a própria Tesla e lidera em segmentos como baterias e frotas urbanas. Esse cenário ilustra perfeitamente o conceito de antifragilidade sistêmica, como descrito por Taleb: aprender com o caos, crescer com a adversidade.
Agora, com projeções apontando para a superação da economia americana em breve, os EUA se veem pressionados a reagir. A resposta do governo atual, sob Donald Trump, é emblemática: taxar produtos importados para estimular o retorno da indústria nacional. Paralelamente, promove uma cruzada contra a imigração, reduzindo drasticamente o fluxo de trabalhadores -- justamente quando o país mais necessita de mão de obra.
A contradição é flagrante: como reindustrializar um país sem pessoas para ocupar os postos de trabalho industriais? Quem irá operar as linhas de montagem, manter as fábricas funcionando, dar vida ao projeto de “America First”? A resposta é inquietante: ninguém.
Ademais, o americano médio não demonstra disposição para trocar o conforto do consumo e da economia digital por um turno de 12 horas em uma fábrica. E mesmo que o fizesse, o custo de produção doméstico torna a proposta inviável sem massiva automação -- que, por sua vez, gera poucos empregos.
Essa política configura, portanto, uma fórmula de fracasso anunciada: tenta reviver a indústria à base da força bruta protecionista, mas sem o capital humano necessário. Ignora que a força histórica dos EUA sempre residiu em sua capacidade de atrair cérebros e braços do mundo todo, transformando imigrantes em inovação, progresso e riqueza.
É aqui que os conceitos de Taleb se mostram especialmente reveladores.
A crise de 2008, que expôs a fragilidade do sistema financeiro global, foi um típico Cisne Negro: um evento inesperado, de impacto profundo, racionalizado posteriormente por aqueles que se diziam surpresos. Os EUA, com sua aposta na financeirização da economia e na terceirização produtiva, construíram um sistema frágil, vulnerável a choques e desconectado da base real da produção.
Taleb ensina que sistemas saudáveis são antifrágeis -- crescem com o caos, fortalecem-se no estresse. A China agiu precisamente dessa maneira: utilizou sua desvantagem inicial como alavanca. Absorveu o know-how estrangeiro, investiu em infraestrutura e formação técnica, e agora colhe os frutos da antifragilidade.
Em contraste, os EUA parecem persistir em um modelo rígido, contraditório e autossabotador. Tentam proteger a economia com barreiras (tarifas), enquanto bloqueiam o fluxo vital que a manteria ativa (imigração). Desconsideram que a verdadeira força de uma nação não reside em replicar o passado, mas em reinventar-se com inteligência e humildade diante da mudança.
Sem uma estratégia coerente de requalificação da mão de obra, valorização da educação técnica, incentivo à imigração qualificada e reestruturação produtiva, os Estados Unidos podem estar, inadvertidamente, plantando as sementes de seu próprio declínio como hegemonia econômica mundial. Como ensina a própria história, impérios costumam ruir não por ataques externos, mas por decisões equivocadas tomadas em tempos de aparente estabilidade -- e excesso de confiança.
Até o momento, usando linguagem de rua, Trump está 'Musk'ando enquanto a China apenas observa o projeto "sem galantia" de Trump, que parece nunca ter assistido nenhum episódio de O Aprendiz.